Sobre a rememoração da Reforma Protestante e o jugo pesado imposto às mulheres presbiterianas
- Coletivo MPB
- 2 de nov. de 2022
- 14 min de leitura
Atualizado: 3 de nov. de 2022
Nesta segunda-feira, 31 de outubro, a Reforma Protestante completou 505 anos. Dia em que pessoas cristãs de tradição reformada comemoraram a data símbolo de um movimento complexo originário na Europa do século XVI. Mas aqui a discussão não se dará a partir do resgate desse fato histórico mas, principalmente, a partir da herança que recebemos e das razões pelas quais comemoramos essa data, se é que assim podemos prosseguir a despeito de profundo pesar sob o julgo pesado imposto às mulheres presbiterianas.

“Procurem aperfeiçoar-se, exortem-se mutuamente, tenham um só pensamento, vivam em paz. E o Deus de amor e paz estará com vocês”. Nossa fraterna exortação, embora incisiva, chama a atenção para a ideia dada em 2 Co 13: 11. Tendo como pano de fundo especificamente as expressões principais da Igreja Presbiteriana do Brasil na atualidade e seu singular impulso de, institucionalmente, participar da vida pública-política no Brasil, nos deparamos com deslocamentos de extrema preocupação que nos afastam de ideais e premissas básicas das origens de nossa denominação. Essa movimentação se tornou evidente nas últimas decisões do Supremo Concílio de 2022 sobre as mulheres presbiterianas e outros debates, e foi recebida com pesar e suspeita pelas mulheres que hoje integram o Coletivo Mulheres Presbiterianas do Brasil - MPB. Diga-se suspeita por, justamente, entendermos que diversos temas tratados naquela ocasião foram pautados pelo extremismo teológico e que aparelha a fé cristã a favor de movimentos políticos ultraconservadores. A Igreja Presbiteriana do Brasil se permitirá ser tão facilmente levada à distorção de sua missão como corpo de Cristo para atender interesses financeiros, elitistas e mundanos? Vejam bem, os ardis diabólicos são variados! Nosso maior receio é de que a IPB caminhe para longe da perspectiva de Reino do Senhor Jesus sobrepondo os anseios terrenos aos ensinamentos de Cristo. E, com isso, venha a testemunhar mais um cisma e esvaziamento de nossos bancos. Não podemos enquanto instituição reformada privar-nos do diálogo e simplesmente expurgar o que discordamos. Cristo nos chama a caminhar duas milhas com nossos inimigos. Por que a IPB tem se contentado em dizer a nós, que sequer somos antagonistas, que procuremos outras igrejas?
Sabemos que os sínodos e os concílios são para o melhor governo e edificação da igreja e, de forma alguma são para produzir destruição (CW, Cap. XXXI, item I). Sabemos também que “todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares, podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa (CW, Cap. XXXI, item III). Assim, lamentamos:
- O fato de que o corpo diretivo e os núcleos de produção de conteúdo promitentes da IPB demonstram profunda e enraizada dificuldade em estabelecer formas efetivas e democráticas de diálogo diante das inexoráveis interpelações de nosso contexto, de nossas igrejas, de nossa sociedade, de nosso Brasil;
- Que toda a arquitetura sócio-eclesiástica está sendo monopolizada para fins político-ideológicos em grande medida distantes do pensamento reformado em suas origens e também dos ideais que nos trouxeram até aqui;
- Vivemos tempos em que somos escanteadas e conduzidas sob a ideia falaciosa de uma confessionalidade fundamentada em “princípios teológicos absolutos e supraculturais” (cf. Documento n° CCLIII);
- A censura interna e persecutória ao pensamento crítico construtivo no meio presbiteriano com impetração de pressões e também proibições a irmãs e irmãos de assinarem a carta aberta à igreja. Em alguns casos, irmãs e irmãos nos sinalizando pressões internas enviaram a nós pedidos para a retirada de adesão de apoio a nossa carta, o que respeitosamente l fizemos;
- A imposição e naturalização da teologia do terror, do pânico moral e batalha espiritual com a possível condução a tribunais eclesiásticos de irmãs e irmãos signatários;
- A incidência das repetidas postagens grosseiras em redes sociais feitas quando da publicação e circulação da Carta à IPB sobre a 40a. REUNIÃO DO SUPREMO CONCÍLIO da IPB – 13/08/2022, sendo estas mesmas postagens comumente dirigidas, embora sem efetiva sinalização de respaldo institucional, pretensamente a nós dirigidas para impor intimidação e desmobilização;
- Protagonismos pretensiosos de autopromoção induzindo em suas falas à ideia de que às mulheres só é dado o direito de expressão por meio da SAF, incitando à suposição de insurreição de forma vergonhosa. Aqui estão implicados os pecados da idolatria às pessoas e da fomentação da contenda;
- O total descaso e a indisfarçável cultura machista e misógina quando da publicação da mesma Carta ao se verificarem postagens em redes sociais colocando em dúvida a autoria dela como se fosse texto produzido por homens, como se somente eles fossem capazes de produzir argumentações críticas ou como se a questão estivesse relacionada somente à cargos. Às avessas, sem qualquer filtro até poderia nos parecer algum tipo de elogio direcionado as autoras da carta.
- O fato de que após o envio de nossa Carta para todos os e-mails das igrejas presbiterianas no Brasil conforme dados coletados no ICALVINUS, tivemos como resposta mais de 400 e-mails em tom inusual e agressivo via contatos de PASTORES PRESBITERIANOS que representam suas membresias e as igrejas locais nos presbitérios e sínodos.
É necessário enfatizar que, felizmente, atingimos sem grandes esforços a subscrição à nossa Carta de mais de 1400 nomes de mulheres presbiterianas congregadas em todas as regiões do Brasil, dentre outras tantas adesões de irmãos presbiterianos que afetuosamente abraçaram a nossa causa. Acertadamente assim caminharemos ampliando o nosso alcance com as diversas manifestações de apoio ao nosso movimento que foi originado na construção e no exercício da coletividade. Somos parceiras umas das outras e muitos são também os irmãos que comungam de nossa empreitada. Muitos deles são também pastores, presbíteros e diáconos.
Fazemos questão de sinalizar o número alcançado de assinaturas pois também temos ciência de que são 1400 os delegados que participam e votam durante as plenárias do Supremo Concílio. E desde já agradecemos, especialmente, aos pastores e aos presbitérios que abraçaram a nossa causa e tentarão, no futuro próximo, seguindo os ditames institucionais, levantar o debate novamente no sentido de desfazer essas aberrações contra nossas atuações nas igrejas nas quais somos membras e dizimistas. É importante sinalizar que foram as duas últimas reuniões do Supremo Concílio – 2018 e 2022 – que retiraram espaços de atuação das mulheres presbiterianas tradicionalmente enraizados nas dinâmicas de muitas igrejas locais Brasil afora, a saber, a pregação nos púlpitos e a distribuição dos elementos da Santa Ceia.
É diante desse quadro que podemos elencar também aqui um pouquinho de nossa história. Em 1939, a IPB (naquele contexto ainda denominada como Igreja Cristã Presbiteriana do Brasil) tinha em sua constituição a diretriz objetiva da eleição e ordenação de diaconisas nas igrejas locais, sinalizando categoricamente não existir distinção entre os sexos. E é justamente por conhecermos a nossa história e a história do MOVIMENTO REFORMADO MUNDIAL em suas conquistas, direitos, defesas, tensões e atritos que progressivamente iremos nos manifestar enquanto Coletivo de Mulheres Presbiterianas - MPB.
Face aos últimos desdobramentos referentes ao SC-2022, nós reafirmamos e sinalizamos o nosso profundo pesar em distorções nas imposições colocadas e também aceitas, não por toda a comunidade presbiteriana, sob influência dos tais “princípios teológicos absolutos e supraculturais” de grupos internos que se acham os portadores da verdade em nossa amada IPB. Esses nomes são conhecidos e são analisados com profundo pesar pois, a defesa inquestionável de exclusiva produção ‘bíblica-confessional’ enganosa nos cobrará um preço alto. Precisamos nos ater aos preceitos reformados e ao que foi construído até aqui com rigor teológico e zelo cristão. Precisamos, urgentemente, de uma igreja que viva o Evangelho como ele nos foi ensinado, para promover a paridade e equalização de forças entre mulheres e homens, algo já em processo de enraizamento nas dinâmicas de algumas igrejas presbiterianas. Precisamos trazer em relevo e trabalhar uma das premissas basilares da Reforma Protestante: uma igreja reformada, sempre reformando. Tal ideia não pode ser entendida como uma abstração ou frase de efeito. Precisamos caminhar rumo ao retorno do pensamento cristocentrado, de uma teologia acolhedora, pacifista, bíblica e reformada e ciente de seus desafios, mas que não se alia à interesses próprios, projetos personalistas de poder e nem que se negue aos desafios do séc. XXI.
Em pleno 2022 e dobrando a aposta do SC-2018, afastar as mulheres de suas atuações progressivamente sistematizadas há mais de 150 anos de história de Igreja Presbiteriana no Brasil e negar a elas os espaços de manifestações de seus dons e ministérios nas dinâmicas de suas igrejas locais pode acionar o mesmo circuito de quando se remexe em dores e destratos histórico-culturais ainda não resolvidos de forma fraterna e cristã como apregoado nos Evangelhos. É possível elencar aqui também argumentos extraídos de nossa Constituição sobre a função social das igrejas no Brasil e ir além, ao alcançar os acordos dos quais o nosso país é signatário onde são referendados os direitos às práticas religiosas.
A visibilidade das mulheres, desde o cristianismo primitivo, deve ser urgentemente trabalhada e revista não nessa leitura diminuta e inescrupulosa, mas como sendo o que são: mulheres de fé e partilha, discípulas que caminharam proeminentemente lado a lado com Jesus mesmo quando os discípulos homens o abandonaram. Esse exercício às origens da igreja cristã primitiva deve ser feito bem longe da história da ‘igreja imperial e hierárquica’ pós século III. E para isso acontecer, não se deve atropelar as outras disciplinas que nos ajudam nesse sentido como as Ciências Sociais, as demais disciplinas bíblicas e vasto material existente e amplamente reconhecido nos últimos séculos. Nós percebemos que, mesmo de forma enviesada, por vezes o SC-2022 concedeu abertura para debates outros e foi inclusive por eles pautado quando acolheu e elencou importância, por exemplo, às discussões sobre identidade de gênero como sendo ideologia (Documento n° XXIII) (ideologia aqui esbarra em concepção incorreta para se referir à complexidade das discussões sobre gênero) e ao projeto de viabilidade de currículo confessional para educação domiciliar (Documento n° CXLIII), algo que no jargão da extrema direita política também é chamado de homeschooling (prática que não possui regulamentação no Brasil, que pode ser sinalizada como abandono intelectual e, conforme especialistas, representativa de risco à garantia fundamental à educação e à socialização necessária de crianças e adolescentes).1
Diante dessas sinalizações, embora a partir de ideias ilegítimas que entraram no último SC, percebemos que há abertura para se introduzir debates carregados de contemporaneidade que circundam nossa igreja e nossa sociedade. Contudo, essa abertura não pode ser direcionada para fins personalistas e de certa concentrada ideologia. Essa abertura precisa ser guiada por necessidades do chão da vida e da realidade das igrejas locais. A produção de conteúdo sob a égide do diálogo fraterno deve ser conduzida como quem encara uma seara difícil, mas sempre visando a produção de bons frutos e boa colheita. E ainda assim, sabemos, é necessário termos certo filtro como na cadência de I Ts 5:21: “Mas ponham à prova todas as coisas e fiquem com o que é bom” (NVI).
É nesse sentido que questionamos onde encontraremos, no horizonte de nossa caminhada, além da entrega de contribuição para construção de uma sociedade mais justa e digna, o rigor teológico e a proeminência de estudos bíblico-confessionais tão respeitados no passado dos movimentos da Reforma Protestante e que se originaram a partir dela. Perfazendo uma leitura crítica das principais resoluções do último SC, especialmente aquelas que nos tocam nas dinâmicas já vivenciadas por muitas mulheres presbiterianas Brasil afora, nos deparamos com argumentações frívolas, de falso encadeamento, de simplista hermenêutica bíblica e pretensamente direcionadas a colocarem em relevo não a teologia bíblica e confessional aderente às igrejas reformadas de tradição calvinista. São sim, infelizmente, embasamentos tendenciosos, ideológicos e de risco grave à própria Instituição e que, por vezes, foram aprovados sob efusivos aplausos embora sem a devida atenção à etiqueta da solenidade da reunião e como se somente isso servisse de critério para aprovação. Dentre várias possíveis, vamos aqui fazer apenas algumas sinalizações importantes. Outras mais virão na sequência de nosso engajamento e no exercício de nossa caminhada pautada pela construção coletiva.
Assim seguindo o modelo já expresso acima, faremos mais algumas apontamentos:
1) Nos preocupamos com a expressão derivada de formulação presumidamente bíblica e confessional “de que sobretudo na era veterotestamentária a Igreja detinha, inclusive, o poder legítimo da espada, de modo que nenhuma lide escapava à competência do Tribunal Eclesiástico” (Documento n° CCLIII). Vejam: a palavra igreja deriva da palavra grega “ekkyesia”. Por mais estranho que parece ser, não é algo indevido presumir e usar o termo igreja ao se referir ao AT como expressão da eclesiologia protestante que assim o faz sob a ideia de povo de Deus. Também sabemos que mesmo no contexto cultural do NT, a palavra igreja é lida com várias camadas de significado. Etimologicamente, a partir da cultura grega, o termo significa o ajuntamento do povo para fins políticos e militares, assembleia ou reunião. O termo também carrega o sentido do local onde o povo se reúne e, de fato, foi somente a partir do cristianismo primitivo que se caracterizou como ajuntamento de crentes. Contudo, a ideia contida na expressão “igreja com espada na mão” carrega consigo a noção tremendamente simbólica de violência atrelada à indisposição ao diálogo. Nesse sentido, podemos recorrer às palavras de conforto ditas por Jesus direcionadas às discípulas e aos discípulos diante de sua iminente partida: “Deixo-lhes a paz; a minha paz lhes dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbem os seus corações, nem tenham medo” Jo 14:27.
A acima referida expressão deve ter o seu uso descontinuado por entendermos que o evangelho de Jesus Cristo é para a vida e não para a morte; a igreja deve ser espaço de promoção da vida e não da morte. A mensagem de Jesus é da cultura de paz e da justa paz. O fundamento da não violência foi mantido por discípulas e discípulos após a partida de Jesus. Tal metáfora usada no referido documento modula as Escrituras Sagradas, as leis da IPB e sua estrutura eclesiológica à imagem pontualmente destoante do ensinamento fundamental da não violência do Cristianismo, pois em suas origens se constituiu como um movimento pacifista. Por certo, tal expressão encontra lastro em ordenamentos jurídicos obsoletos e também em muito se assemelha ao eco de registros históricos da ‘igreja imperial’, das Cruzadas e também da religião no sistema colonial. A Igreja que queremos não contradiz a vocação desarmada e não violenta do Evangelho. Se entende perfeitamente a simbologia de uma espada, mas não vamos e não podemos santificar a violência, nem mesmo aquela que é simbólica.2 A Bíblia nos ensina que “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm” I Co 6:12. Neste sentido também lamentamos profundamente a defesa que alguns irmãos fazem publicamente, inclusive com registros em redes sociais, do armamento de nossa sociedade .E que o façam pontuando ser esta uma postura cristã, reformada e confessional, fechando espaço para debate e excluindo perspectivas outras. Armas tiram vidas! Armas destroem vidas e famílias. Como mães, avós, tias e filhas nos posicionamos categoricamente contra a defesa do armamento da população e nos colocamos na ativa para também tecer críticas veementes à instrumentalização da fé protestante para fins violentos e persecutórios. Diante dos apontamentos acima, nos perguntamos: o acima referido documento tem por objetivo amedrontar nossas irmãs e nossos irmãos? Tem por meta desmobilizar aquelas e aqueles que fazem críticas construtivas em nosso meio? Inclusive, temos ciência de que o mesmo documento se localiza em expressivo desacordo com pressupostos basilares de nossa carta pátria.
2) Uma outra sinalização importante diz respeito ao patético e retrógado encadeamento de ideias sobre as noções de templo, púlpito e culto público ou culto solene (Documento n° CCLIII). Além de entendermos que a proibição de mulheres aos púlpitos fere a Constituição (CI-IPB) e também o Catecismo Maior de Westminster (CMW), lamentamos a tendenciosa manobra de controle e supervisão da pregação pública e biblicamente estimulada algo legitimado pelo derramamento dos dons pelo Espirito Santo sem qualquer distinção entre os sexos e ideia enraizada nas dinâmicas históricas de nossa denominação no Brasil. Da maneira que está exposto, o referido documento insinua a possibilidade em limitar a manifestação do dom da pregação condicionado somente aos pastores, presbíteros e candidatos ao ministério – quer dizer, apenas ao sexo masculino. Pasmem! Saem as mulheres, as missionárias, as ibelinas, etc e se caminha para reforçar categoricamente a cultura machista e misógina em nosso meio. Nesse sentido, os que publicamente deram a autoria do documento também acabaram por promover um debate paralelo que atinge a diaconia de nossas igrejas. Serão os diáconos proibidos de pregarem também?
De fato, presumido na citação de vários versículos convenientemente e isoladamente destacados, o documento nos incita profunda preocupação pois nos indica falta de rigor em leitura hermenêutica e profundo distanciamento dos pressupostos singulares da teologia reformada e presbiteriana. Ao se tomar as dinâmicas das primeiras comunidades cristãs por exemplo, como sinalizado no documento, não vemos evidências significativas para se caracterizar ou mesmo referendar cultos públicos solenes. Como exemplificação podemos mencionar Rm 16: 3-5: “Saúdem Priscila e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus. Arriscaram a vida por mim. Sou grato a eles; não apenas eu, mas todas as igrejas dos gentios. Saúdem também a IGREJA QUE SE REÚNE NA CASA DELES. Saúdem meu amado irmão Epêneto, que foi o primeiro convertido a Cristo na província da Ásia”. É a partir de tais destaques que sinalizamos a inexistência de elementos maiores para se presumir o formato de culto público solene no contexto do NT para as nossas dinâmicas cúlticas contemporâneas, tendo ciência também de que o cristianismo primitivo não era a ‘religião oficial’ de estado e, que enfaticamente Jesus advertiu suas discípulas e seus discípulos sobre os desafios e as perseguições futuras. No contexto do NT, o mais adequado seria pensar em algo parecido com a nossa bela cultura de realização de cultos domésticos, eles muitas vezes encabeçados por nossas mães e avós quando de nossas lembranças afetivas no desenvolvimento de nossa fé na mais tenra idade. Embora diante de sucinta discussão, concordamos que não há embasamentos suficientes e eficazes que nos proíbem de ocupar os púlpitos para a pregação e edificação de nossas igrejas. Reconhecemos que nem todas as mulheres são aptas a tal ação, mas aquelas que assim sentirem essa disposição não podem ser privadas de tais atuações, com o devido risco de rompimento de preceitos bíblicos, teológicos, confessionais e históricos em nosso contexto.
E por fim,
3) também achamos por bem dar algum destaque, mesmo que sucinto, ao novo e atrapalhado significado da expressão “membros piedosos” (Documento n° CCLII) conforme consulta feita sobre a expressão mencionada no art. 15. Único dos Princípios de Liturgia – IPB. Sinalizamos a confusão tornada pública quando também mencionado no documento o chamado ao rigor e cuidado na tarefa de distribuição dos elementos da Santa Ceia, a saber, o pão e o vinho. Contudo, por mais que se tenha dado destaque aos princípios bíblico-teológicos e constitucionais, a resposta à consulta sobre a expressão membros piedosos recaiu embasada novamente em fundamentação machista e misógina. Abaixo citado o mesmo artigo, conforme PL-IPB:
Art. 15. Os presbíteros auxiliarão o ministro na distribuição dos elementos. Parágrafo único. Na falta ou impedimento de presbíteros, o ministro poderá convidar diáconos ou membros da igreja, de reconhecida piedade, para auxiliar na distribuição dos elementos.
Também citamos recorte da resolução do SC/2022:
Responder ao SSF que a expressão "membros piedosos" no art. 15, parág. único do PL/IPB, deve ser entendida como se referindo a "membros do sexo masculino". Por conseguinte, não é correto nem necessário designar as irmãs para servirem a Ceia do Senhor sob qualquer circunstância. Pois, considerando que somente um ministro pode ministrar a ceia (CI/IPB art. 31, alínea "a"), ele deve estar presente em todas as ocasiões e, não havendo oficiais ou homens de reconhecida piedade, estando presente, cabe a ele servir. E em trabalhos incipientes, onde há ausência de oficiais ordenados, é trabalho do ministro preparar homens para o serviço de liderança eclesiástica nos ofícios de presbíteros e diáconos
É inaceitável pensar que depois de mais de 160 anos de história de nossa denominação no Brasil, resoluções do último SC ideologicamente aparvalhado, estão sendo usadas para nos impor todas essas falsas, deslocadas e pecadoras narrativas. Impensável saber que agora precisamos, além de lidar com toda a complexidade do acentuado e pecaminoso uso do masculino universal nas nossas formas de comunicação, agora como um violento desvirtuamento, mulheres de fé e reconhecidamente piedosas não podem mais ofertar os elementos da Santa Ceia mesmo que em visitas domiciliares ou hospitalares às pessoas enfermas e sob orientação de seus pastores. A referida resolução também dá o destaque de que se houver o descompasso com tal resolução, pastores e presbíteros “devem ser denunciados, processados e julgados conforme as Escrituras, em consonância com a interpretação fiel dos nossos Símbolos de Fé e com os preceitos constitucionais vigentes na IPB” (Fh.4).
A nossa igreja, espaço afetivo e de sociabilidade rica entre irmãs e irmãos, nossas famílias e amigos, está tendenciosamente inclinada a se tornar um clube da ‘machonaria’. Nesse sentido, nos perguntamos mais uma vez: qual outra denominação reformada e de tradição calvinista mantem a não eleição e ordenação de mulheres à diaconia ou proíbe terminantemente o acesso delas aos púlpitos de suas igrejas?
Finalizamos aqui a nossa manifestação pública retomando aquela discussão sobre a expressão usada no Documento n° CCLIII. E deixamos a todas as presbiterianas e presbiterianos uma indicação para profunda e necessária reflexão: Qual igreja queremos? Uma igreja de paz e justa paz ou a igreja com a espada na mão? Uma igreja que trabalha em prol do evangelho de Jesus Cristo ou uma igreja que gasta tempo, papel e caneta para estimular a denúncia e perseguição entre a sua própria membresia? Uma igreja que dialoga com os seus e com os anseios destes ou uma igreja que usa de sua estrutura e formalidade para sufocar as vozes que clamam?
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1 Neste último caso, vale pontuar que – sob nossa análise – essa aspiração dá falso testemunho ao pioneirismo da educação básica quando da criação da Escola Americana, por Mary Annesley e George Chamberlain em 1870, esta sim experiência embasada sobre o prisma da cosmovisão cristã reformada e de reconhecimento amplo e público.
2 Diante desse quadro, aproveitamos para também demostrar o nosso profundo descontentamento de fato público (dentre outros escândalos) ocorrido com o ex-ministro da educação, Revdo. Milton Ribeiro, desde 1994 sucessivamente reeleito para a presidência do Presbitério de Santos (PRST), que acidentalmente disparou sua arma no aeroporto de Brasília em 26/04/2022. E do silêncio institucional frente a uma situação envolvendo um de seus representantes.
PARABÉNS MULHERES PRESBITERIANAS!!
Concordo plenamente e assino em baixo!
Lendo essa carta me senti representada! Senti encorajada, acolhida e edificada por minhas irmãs legítimas de caminhada. Somos todas filhas do mesmo Pai de Jesus Cristo e queremos seguir e servir a Jesus fazendo com Ele a obra (ministério) que nos foi confiada.
Apesar da frustração e vergonha que sinto desse desmando da cúpula da amada IPB, me senti esperançosa por erguer a nossa voz, nos posicionar e chamar para o diálogo
Ivone Lima Botelho
Está difícil congregar na IPB,desde 2014 que congrego mas, diante dos fatos, estou me sentindo um peixe fora d'água,muito conservadorismo,muita politicagem partidária,eu considerava a IPB uma das poucas instituições religiosas mais séria do Brasil,estou profundamente entristecida com as atitudes dos "dirigentes",o que é chato nessa situação que envolve escândalos públicos é o silencio da denominação. A igreja não se manifesta pra nada,absolutamente nada,nem sequer cogita disciplinar os envolvidos,isso entristece.
O que mais tenho visto no meio da igreja é pastor com discurso reacionário,separatista,muito triste a situação atual da IPB,precisamos,como membros,fazer alguma coisa, temos que deixar o medo do lado e, passar a questionar essas"lideranças".
Excelente texto em defesa de um direito óbvio: o da igualdade de servirmos a Deus. Quem pode julgar que dons o nosso Deus distribuiu a cada um de seus filhos? Consigo imaginar Jesus dizendo aos se atuais discípulos: "deixai vir a mim todas e todos e não as/os impeçais de me servir".
Muito bem! Não devem se curvar a esses pressupostos religiosos. Igreja nunca salvou e nunca salvará ninguém. Eu fui excluído de igreja batista por não concordar com diversos ditames que nada tinham haver com o Evangelho. Não me arrependo de nada! Deus não nos mandou construir templos, posto que estes somos nós.
Excelente texto, expressa muito bem o atual momento da IPB. Agradeço a Deus por essas mulheres que levantam essa questão e que estão conduzindo de forma brilhante. Minha conversão se deu na fase adulta e minha maior dificuldade foi não encontrar coerencia entre o Evangelho de Jesus e a postura da IPB com as mulheres, tendo ainda piorado nos ultimos anos.